"Por que ninguém nos destronou ainda?"

Originalmente publicado no The Guardian em 5 de Setembro de 2008

Cinco anos depois do desastre crítico e comercial do St. Anger, eles estão de volta para salvar o metal - e salvar a eles mesmos no processo. Stevie Chick navega no campo minado emocional que é o Metallica

"Nas palavras imortais de Noel Gallagher, eu viverei para sempre", disse Lars Ulrich. Sentado no backstage do Metallica no Reading Festival, o qual eles chamam de "the Barrio", o baterista está pensando por quanto tempo sua banda - uma das maiores do planeta, o grupo que reinventou o metal e o deu crédito - pode continuar. A questão do tempo de vida da chama do grupo é, admite Ulrich, "a questão de 64 mil dólares. Os Rolling Stones estão criando um grande precedente, mas Charlie Watts não toca bateria em músicas como Fight Fire With Fire toda noite, sem desrespeitá-lo. Nós vamos conseguir tocar as coisas que tocamos quanto tivermos 65 anos? Eu não sei. Quando se tornar uma piada, nós pararemos".

Algumas pessoas temiam que o Metallica tivesse atingido esse ponto alguns anos atrás - certamente seu novo lançamento, Death Magnetic, está sendo promovido como um álbum de "retorno as origens", e há uma sensação de que eles precisam provar tanto sua atitude quanto seu metal de novo. O último álbum deles, St. Anger de 2003, chegou ao topo das paradas ao redor do mundo, mas vendeu apenas 1,8 milhão de cópias nos Estados Unidos, uma fração do que os outros trabalhos do Metallica vendeu. Ao invés de fazerem um exercício de volta as origens que a banda tentou depois de uma década se afastando de suas origens no thrash metal, ele capturou uma banda em crise, um período retratado no documentário das sessões sancionado pelo grupo, Some Kind of Monster. O baixista Jason Newsted foi embora depois de 14 anos sendo tratado como "o cara novo" (ele substituiu Cliff Burton, que morreu em um acidente em 1986). O vocalista/guitarrista James Hetfield - co-líder junto de Ulrich - deu entrada em um centro de reabilitação. A banda contratou um terapeuta para tentar manter tudo junto, para que ele pudesse tentar oferecer input criativo na banda. O documentário soou como uma comédia trágica, um hídribo de This Is Spinal Tap e The Larry Sanders Show.

"O St. Anger aconteceu porque precisava acontecer", disse Hetfield. "Soa bem disjunto para mim quando eu o ouço agora. Unidimensional. Grosseiro. E isso é exatamente como nós nos sentimos na época: nós éramos desunidos, e eu acho que esse ressentimento que sentíamos um pelo outro era grosseiro."

O St. Anger foi, acrescenta Ulrich, "uma experiência isolada, única. As coisa não são mais assim hoje". O novo álbum é algo como um ou vai-ou-racha então, onde o mundo verá se o Metallica ainda tem criatividade, independente da boa vida que eles podem ter no futuro devido ao seu passado. Bob Rock - que se tornou produtor do Metallica no álbum homônimo de 1991, que se tornou conhecido como o álbum preto - não está mais em seu cargo no estúdio, e junto se foi o som mais acessível e polido que ele trouxe. A esperança é que seu substituto, Rick Rubin, atinja o que ele fez com Johnny Cash e Slayer: no primeiro caso, rejuvenecer um carreira decadente; no segundo, focar em uma banda agressiva e pesada de metal para produzir seu melhor trabalho.

"A semente inicial da motivação de Rick, seu mote, foi 'essência do Metallica'", disse Hetfield, informando que ele queria que retornasse ao som dos álbuns que fizeram o nome do grupo: Master of Puppets de 1986 e ...And Justice for All de 1988.

"Nós ficamos longe do som desses discos por tantos anos", disse Ulrich. "Nós tínhamos medo de nos aproximarmos deles, pois se tentássemos repetí-los, havia a chance de que nós poderíamos diluí-los, ou arruiná-los. Nós basicamente corremos gritando em 28 outras direções pelos quase 20 anos seguintes".

Hetfield descreve o processo como "voltar ao esqueleto do Metallica", o que promete muito: a boa leva da década de 80 do grupo continua como uma máxima do heavy metal, sua ambição é um marco para qualquer gênero. Mas nos anos que se passaram, tudo ao redor daquele esqueleto mudou, não apenas os membros do Metallica em si.

Ulrich é a improvável estrela americana do metal. Para começar, ele é dinamarquês. Seu pai era um tenista profissional, que também tocava jazz e mantinha o Blue Note Club de Copenhagen. Ulrich Jr se mudou para Califórnia em sua adolescência, para aperfeiçoar seu tênis, mas qualquer ambição esportiva foi pelo ralo depois de uma viagem a Inglaterra no verão de 1981 para ver a banda de Birmingham, Diamond Head, tocar no Woolwich Odeon. Ulrich estava maravilhado com o Diamond Head, e acabou ficando com eles por várias semanas. Em sua volta a Califórnia, ele colocou um anúncio em um jornal de Los Angeles, que dizia: "Baterista procura por outros músicos de metal para tocar Tygers of Pan Tang, Diamond Head e Iron Maiden". E então começou uma carreira que, entre os maiores vôos alçados por bandas de metal, está atrás em longevidade apenas do Iron Maiden.

O Metallica lançou dois álbuns em gravadoras independentes antes de assinarem contrato com a Elektra com o Master of Puppets, que se tornou o primeiro álbum de thrash metal a chegar no Top 30 dos Estados Unidos. A morte de Burton durante a turnê ameaçou a carreira deles, mas eles continuaram com o recrutamento de Newsted, que fez sua estréia no ...And Justice for All. (Como parte das provocações ao novo membro, seu baixo foi mixado de forma a ser inaudível no álbum.) O momento em que eles atingiram o mainstream chegou na cerimônia de 1989 do Grammy Awards. Embora os roqueiros progressivos do Jethro Tull tenham sido os ganhadores improváveis do prêmio daquele ano de Melhor Performance de Hard Rock/Metal, o Metallica teve sua primeira apresentação televisionada nacionalmente.

"Tudo que eu lembro daquela noite foi de ver Michael Jackson sentado na primeira fileira, e pensar, 'Não faça merda'", disse Ulrich. Em um palco coberto com cenas de batalha, o grupo tocou seu novo single, One. Ela começou como uma balada, mas Hetfield não cantava sobre amor. A música, One, foi escrita da perspectiva de um soldado tão preso em seu corpo machucado pela guerra que ele não poderia nem cometer suicídio. A música quebra com a angústia que era a máxima do Metallica, a levada acústica tenra em um uma porrada brutal de bateria destruindo como uma artilharia enquanto o guitarrista Kirk Hammett manda ver nos solos, sem dúvida aterrorizando alguns membros da platéia da premiação.

Dois anos depois, o álbum preto traduziu aquele impacto em sucesso comercial. Ele vendeu 15 milhões de cópias ao redor do mundo (embora se você perguntar a maioria dos críticos de rock para falarem o álbum mais importante de 1991 de rock pesado, eles falarão provavelmente o Nevermind do Nirvana). Ele se tornaram uma das maiores bandas do planeta sem nenhum compromisso sério, ao falarem - como os escritor Michael Azerrad da Rolling Stone diz - "do lado negro do psicológico do homem-branco-suburbano".

"Nós éramos cabeça-duras", sorri Hetfield, explicando de forma lacônica a mentalidade do Metallica naquela época. "Nós não vamos até você, nós não vamos te encontrar no meio do caminho - você que precisa vir até a gente".

Ao contrário do que alguns detratores sugerem, o caçador Hetfield não é um reacionário, embora ele seja obviamente um operário. "Eu não cresci ao redor de pessoas que tiveram terapia", disse ele. "Mas meu pai era extremamente religioso, chegando a ler a Bíblia as cinco todas as manhã por uma hora. Talvez essa fosse sua terapia, sua fonte de energia para o dia". Hetfield foi criado como um cientista cristão, e sua família aderiu a aversão a medicina moderna que a religião tem, mesmo que sua mãe tenha morrido lentamente de câncer. A angústica de sua adolescência teria voz mais tarde nas letras de Hetfield, alimentando músicas contra religião e autoritarismo.

Sua raiva provou ser um dom - como Ulrich disse no Some Kind of Monster, "vinte anos de ódio vendeu 100 milhões de discos", e Hetfield estava incerto sobre os efeitos que entrar em terapia e reabilitação na época da St. Anger poderiam causar. "Esse é provavelmente o maior cliché ao sair da recuperação" - ele pausa, e se corrige - "desculpa, sair do prédio da recuperação, e entrar na recuperação propriamente dita: o medo de 'eu não posso fazer isso sem o álcool, sem as ansiedades'. Minha dicotomia é, eu não gosto de pessoas, mas eu tenho uma busca sem fim em sentir como se eu fizesse parte disso. Então, ainda há coisas a serem trabalhadas, para sempre".

Hetfield atingiu seu auge lírico com Puppets e Justice - Azerrad escreveu que o Metallica era "tão político quanto qualquer outra banda por aí". As músicas de Hetfield se esquivavam por algo mais potente, refletindo a raiva de uma base de fãs alienada, com subempregos e subeducação - melhor refletido na música Disposable Heroes, que ele escreveu em 1985 sobre aqueles enviados a guerra para se tornarem alvos de canhões. Os "heróis descartáveis" dos subúrbios americanos podiam sentir que Hetfield era um deles. Mais de 20 anos depois, aquela sensação de identificação permanece: o soldado Colby Buzzell postou em seu blog - que virou em um livro, My War - sobre a presença contínua do Metallica em seu iPod enquanto lutava no Iraque.

Hetfield se sente desconfortável com o assunto, e diz que ele não ouviu sobre o blog de Buzzell. "O Metallica tentou realmente ser não-político, o máximo possível", continua, com cuidado. "Eu escrevo sobre o lado humano disso tudo. Eu realmente não gosto quando celebridades aparecem e começam a dar suas opiniões. Não deveriam ser mais válidas porque são populares. Isso entra no caminho da música. Eu gosto de só viver, e pensar, e sentir. Política me entedia. Política separa as pessoas, especialmente de onde nós somos. Política raramente junta pessoas". A resposta de Hetfield é séria, honesta e educada - bem parecida com o homem em si - mas ela ilustra uma das frustrações do Death Magnetic. Suas letras são instropectivas e intensamente pessoais - Unforgiven III, ele explica, trata de como você "não pode perdoar alguém até que tenha perdoado a si próprio" - mas falta a elas a convicção existente em Disposable Heroes, escrita quando ele era só um headbanger qualquer de São Francisco. E há um geração em guerra no Oriente Médio que está apenas esperando que um grupo como o Metallica escreva suas músicas.

Mas o Metallica não é as mesmas pessoas que costumava ser quando gravaram Disposable Heroes. "Eu tenho 44 anos, tenho 3 filhos, eu voei em um helicóptero na sexta-feira", ri Ulrich. "É um pouco difícil de retornar a vibração de 20 anos atrás enquando você vive em uma suíte de 2 quartos no Claridge. Eu vivo uma vida muito diferente hoje daquela que eu vivia naquela época".

Uma coisa que não mudou é o nível de expectativa que o Metallica ainda comanda. "Eu estava pensando outro dia," disse Ulrich, "sobre como todo mundo espera que a gente continue a lançar álbuns que definam um estilo, para 'salvar' o metal. E isso é uma puta pressão, de verdade. Por que ninguém nos destronou ainda? Nós apoiamos todas as ótimas bandas de metal novas, acolhemos, mas as pessoas ainda querem que a gente carregue todo o estilo em nossas costas".

Mas o Metallica é pioneiro e personagem principal do metal moderno. Eles foram os pioneiros e em grande escala, eles conseguiram fazer com que essa música chegasse ao mainstream. É deles o padrão usado para medir os novatos, e embora eles possam ser mais rápidos e mais altos que o Metallica, ninguém nunca será o Metallica.

Embora o Death Magnetic seja marcado por alguns momentos meio ruins e meio suspeitos como uma power ballad, quando é bom - o que acontece pelo menos metade do tempo - é ótimo, o grupo tocando riffs assassinos com toda a precisão e violência da época de ouro deles.

Enquanto eles tocam One no palco do Reading esta noite, precedido por efeitos especiais e pirotecnia dignos de Hollywood, é claro que a idade não limitou suas capacidades de tocarem, com todo o esforço preciso. Mas é estranho ouvir o terror visceral da música tocada como uma música pomposa de estádio, enquanto os fãs do Metallica no Iraque e Afeganistão voltam para casa em cadeiras de rodas e caixões da controversa guerra em que eles não tinham voz. Eu me pergunto se o James Hetfield de 1986 também acharia estranho.



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